Mudanças no licenciamento ambiental: o que está em jogo?
Autor: *Augusto Lima da Silveira
As atividades humanas invariavelmente geram impactos ambientais, em menor ou maior escala. Os processos produtivos — sejam eles ligados à indústria, à prestação de serviços ou à produção agrícola —, devido às suas características, produzem impactos de maior intensidade se comparados às nossas ações individuais. Assim, para garantir o desenvolvimento sustentável e a preservação da qualidade dos recursos naturais, o processo de regulação é indispensável.
Nesse contexto, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31/08/1981) estabelece, como um dos instrumentos de gestão ambiental, o processo de Licenciamento Ambiental das atividades produtivas. Dessa forma, as atividades consideradas poluidoras ou potencialmente poluidoras devem ar por uma avaliação técnica, com a elaboração de estudos e relatórios específicos, antes do início de suas operações. O empreendimento que se enquadra nos critérios previstos em lei deve apresentar as estratégias a serem adotadas para garantir o impacto ambiental mínimo, a reparação de danos socioambientais e os planos de recuperação em caso de contaminação ambiental. A autorização de funcionamento, por meio das licenças ambientais, só é concedida às atividades que forem capazes de demonstrar controle adequado dos parâmetros de qualidade ambiental. Para isso, a avaliação técnica é essencial.
Sob o argumento de agilizar os processos de licenciamento ambiental, tramita o Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021, que propõe instituir a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O PL foi votado no Senado Federal no dia 21 de maio e segue agora para análise na Câmara dos Deputados.
As mudanças nos moldes atuais do licenciamento ocorrem no sentido de flexibilizar e reduzir o tempo para a liberação de empreendimentos, especialmente aqueles ligados ao agronegócio e à infraestrutura. Pelo novo projeto de lei, são criadas três modalidades de licença, além das atualmente vigentes.
A principal preocupação em relação a essa regulamentação está na possível fragilização dos mecanismos de controle dos impactos ambientais. Um exemplo claro disso é a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que dispensa a avaliação técnica prévia. Nesse modelo, a liberação de funcionamento ocorre a partir da autodeclaração do proprietário do empreendimento, o que compromete a efetividade do controle ambiental.
Outro ponto crítico no novo projeto de lei está relacionado à proteção dos povos originários. As terras que ainda não foram demarcadas deixam de ser consideradas áreas protegidas, tornando vulneráveis centenas de territórios indígenas e quilombolas. Além disso, a nova configuração para definição das áreas protegidas coloca em risco sítios arqueológicos ainda em processo de estudo, ameaçando um patrimônio histórico incalculável.
É preciso cautela diante do discurso de que a desburocratização do licenciamento ambiental é a solução para o desenvolvimento econômico do país. O conceito de desenvolvimento também envolve a manutenção da qualidade ambiental, já que os recursos naturais são indispensáveis para os processos produtivos. Flexibilizar a liberação de licenças sem a devida regulação nos torna mais vulneráveis a tragédias ambientais, que, historicamente, não resultam em punições aos responsáveis nem garantem a reparação dos danos.
Mesmo com o atual aparato legal, ainda vivenciamos crimes ambientais de grandes proporções. O crescimento econômico não pode ocorrer às custas da degradação ambiental, especialmente no cenário atual, em que há evidências claras das consequências do uso predatório dos recursos naturais. A estratégia de liberar os empreendimentos para atuação e pensar na recuperação de danos somente após a ocorrência dos impactos é o primeiro o para que a poluição atinja níveis insustentáveis no país.
É fundamental que toda a sociedade acompanhe a tramitação do PL, pois o que está em risco é um patrimônio que pertence a todos. Ao renunciar ao processo regulatório ou transferir a responsabilidade para estados e municípios, a União promove um grave retrocesso na conservação ambiental, caso a lei seja aprovada nos moldes atuais.
*Augusto Lima da Silveira é doutor em Ecologia e Conservação e atua na coordenação de cursos de graduação na área de Meio Ambiente na Uninter. Interessado em aproximar ciência, literatura e cotidiano, mantém o perfil @umdiariodeleitor no Instagram, onde promove leituras e reflexões.
Autor: *Augusto Lima da SilveiraCréditos do Fotógrafo: Pexels