Da Idade Média à Idade Mídia: estamos personalizando ou massificando a sociedade com a IA generativa?

Autor: *Sheron Mendes

Vivemos um momento histórico de transição paradigmática, disruptivo e acelerado. Walter Longo, especialista em inovação e transformação digital, propõe uma analogia instigante: saímos da “Idade Média”, onde prevalecia a média das opiniões, para adentrar a “Idade Mídia”, marcada pela personalização de conteúdo e decisões com base em dados individuais.  

Se antes o conhecimento era e verticalizado, hoje ele se dissemina horizontalmente por meio das mídias digitais, que não apenas comunicam, mas moldam, modelam e personalizam a experiência de cada indivíduo. Nessa nova era, a promessa da tecnologia é clara: oferecer conteúdo sob medida para cada pessoa. Mas será que estamos realmente vivendo uma era de personalização ou apenas embalando a massificação com outra estética? 

A Inteligência Artificial Generativa, como ChatGPT, DALL·E, entre outras ferramentas, atua como catalisadora desse processo. Ela é capaz de produzir conteúdos textuais, visuais e sonoros a partir de comandos simples, com aparente sofisticação e adaptação aos desejos do usuário. Contudo, essa aparente personalização está alicerçada em grandes bancos de dados e padrões estatísticos que favorecem aquilo que já foi mais produzido, mais consumido, mais engajado. Em vez de promover diversidade, a IA tende a reforçar o já conhecido. 

Max Fisher, em sua obra “A Máquina do Caos”, mostra como as plataformas digitais utilizam algoritmos voltados à maximização do engajamento, priorizando conteúdos que mais retêm a atenção do usuário, não necessariamente os mais verdadeiros, criativos ou plurais. O resultado é um efeito de retroalimentação: quanto mais um tipo de conteúdo circula, mais ele é promovido. O que parece ser uma experiência personalizada se revela como uma curadoria automatizada e previsível, que aprisiona o sujeito em bolhas e reduz sua visão crítica. 

Na mesma linha, o neurocientista Álvaro Machado Dias alerta sobre o avanço da IA generativa, a qual pode conduzir à homogeneização cultural. Para ele, os algoritmos tendem a eliminar ideias controversas e convergem para o termo médio, achatando o senso coletivo, empobrecendo o debate público. 

Esses pontos nos conduzem a uma reflexão sobre os impactos da lógica algorítmica na constituição da subjetividade contemporânea. A cultura digital, ao acelerar o consumo e exaltar o efêmero, parece reduzir o espaço da crítica e do simbólico, favorecendo respostas rápidas em detrimento da elaboração reflexiva. Nesse cenário, o sujeito a a ser moldado por dinâmicas de predição e desempenho, submetido a métricas invisíveis que orientam preferências, comportamentos e percepções. Aquilo que se apresenta como liberdade de escolha, muitas vezes, não a de uma ilusão algoritmicamente arquitetada, uma repetição disfarçada daquilo que já fomos condicionados a desejar. 

Em contraponto, Martha Gabriel oferece uma perspectiva mais otimista. Para ela, a IA deve ser usada como uma extensão da inteligência humana e não como sua substituta. Em suas palestras, destaca que, na era da experiência, é essencial aliar emoção, empatia e ética ao uso da tecnologia. A IA pode estimular a criatividade e ajudar a resolver problemas complexos, desde que usada com intencionalidade e consciência crítica. 

Diante desse cenário ambíguo, a provocação que se impõe é a seguinte: ao utilizarmos Inteligência Artificial Generativa, estamos de fato personalizando a experiência humana ou, sob o véu da individualização, estamos massificando ainda mais os sujeitos e seus modos de viver? A resposta exige não apenas reflexão, mas sobretudo ação crítica e educativa sobre os rumos tecnológicos que estamos escolhendo. 

*Sheron Mendes é bióloga, especialista em Neurociência do Comportamento e professora dos cursos de pós-graduação em Educação na Uninter. 

  

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Autor: *Sheron Mendes
Créditos do Fotógrafo: Pixabay


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